Depois do anticlÃmax atrapalhado que foi a célebre conferência de imprensa na sequência da reunião em que o Conselho Nacional de Saúde discutiu o encerramento, ou não, das escolas, vem agora o Conselho Nacional de Educação congratular-se com a decisão do governo de avançar com um sucedâneo da telescola, que nem chega a ser o que a dita foi, para resolver o problema das crianças e jovens que não têm computador (ou telemóvel ou tablet) e/ou acesso à internet. Fez-me lembrar uma anedota que vi em Inglês, e que traduzo livremente:
- José, se faz favor envie-me a resposta por fax.
- Desculpe, Maria EmÃlia, mas aqui de onde moro não consigo enviar-lhe um fax.
- Porquê José? Mas afinal onde mora?
- Em 2020, Maria EmÃlia, moro em 2020.
É caso para dizer: se é assim que estes conselhos defendem a nossa Saúde e a nossa Educação, para que precisamos deles? Para fazerem de figurantes num cenário montado para nos fazer acreditar que há muita participação da sociedade civil nas decisões do governo?
Depois, a presidente do dito CNE achou por bem, numa entrevista à RTP, discorrer sobre as limitações e desvantagens do ensino a distância face ao ensino presencial, aquele em que verdadeiramente se aprende. Ora, a Maria EmÃlia Brederode dos Santos tem um currÃculo e uma intervenção invejáveis na área da educação presencial, pelo que é sempre de ouvir, e com atenção, o que ela tem para dizer sobre isso. O que ela não tem é currÃculo ou intervenção que se conheça em educação a distância e, por isso, aquilo que opinou é errado e sem fundamento.
Mas a verdadeira questão é outra. Pergunto-me:
1) como é que num paÃs em que se conseguiu encontrar 30 mil milhões de euros para salvar a banca, em que se perdoam centenas de milhões de euros de dÃvidas a clubes de futebol e a empresas como a Brisa (só aà foram 125 milhões) e as ClÃnicas Maló, não se conseguiram encontrar umas migalhas desses valores para poder acudir aos mais carenciados e dar-lhes condições mÃnimas para, com um computador e um acesso à Internet, poderem estudar como todos os outros?
2) As operadoras correram a oferecer 10GB de tráfego a todos os clientes no inÃcio da pandemia mas não encontram forma de oferecer, nem que seja por 3 ou 4 meses, um acesso à Internet a uma pequenÃssima fracção de (novos) utilizadores?
3) E os construtores de equipamentos, multinacionais que facturam milhares de milhões de euros anualmente, não encontram uns trocos nos armazéns para doar ou emprestar durante um tempo equipamentos, recondicionados que fossem?
4) E o governo não tem capacidade para chamar estes interlocutores e encontrar uma solução capaz e digna de um paÃs integrado numa das zonas mais ricas do mundo, como é a União Europeia?
Esta decisão de optar por um sucedâneo da telescola emitido na RTP memória não é motivo para elogios nem para orgulhos. É motivo de vergonha nacional. Digo-vos, eu que tinha 15 anos no 25 de abril, que isto não é o Portugal de Abril, nem o Portugal que aderiu à CEE, migrou para o euro ou quer ter voz na Europa. Também não é o Portugal de um primeiro ministro que, justamente indignado, corajosamente mandou a diplomacia às urtigas e qualificou a posição do ministro holandês de repugnante, porque era exactamente isso o que essa posição era. Não. Isto é a sombra do Portugal de Salazar, dos pobres e ignorantes, mas humildes e honrados, de cabeça baixa, com o chapéu numa mão e a outra estendida, agradecidos da misericórdia e da escola-esmola que os que vivem melhor lhes concedem.
Tenho, nesta circunstância, vergonha do meu pais e dos meus governantes, por não sermos capazes de dar a mão às crianças e aos jovens que mais precisam, eles que já vivem todos os dias, mesmo sem qualquer emergência, em profunda desigualdade. Este é um grande desafio civilizacional, e nós falhámos rotundamente. Porque, concidadãos, temos as prioridades todas trocadas.
Comungo da mesma indignação, professor José Mota. Aqui no Brasil temos uma situação ainda mais crÃtica, em função do imenso espaço territorial. Lamentável e triste 😌
Aqui 42% dos lares não têm computador, e as soluções para salvar o ano letivo estão sendo literalmente "jogadas no colo da EaD".
Segue uma postagem do último domingo: https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2020/04/ead-educacao-publica/