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Writer's pictureJoão Mattar

Educação a Distância & pandemia COVID-19

Estamos assistindo, estupefatos, às transformações sociais que a pandemia do coronavírus tem ocasionado. Segundo a Unesco, 80% dos alunos do mundo estão sem aula, e esse número tende a aumentar. Como consequência desse cenário, a educação a distância (EaD) está vivendo um boom.


Três pontos têm me chamado a atenção nessa transição do presencial para o online experienciada na educação mundial.


Em primeiro lugar, apesar de décadas de pesquisas publicadas sobre a teoria e a prática da educação a distância, além da existência de uma comunidade científica internacional madura e experiente na área, muitas vezes o que se tem observado é que cada um resolve fazer as coisas do jeito que quer. De uma hora para outra, todo mundo sabe fazer EaD — mãos à massa e pronto! Ignoram-se, nesses movimentos de learning by doing, por exemplo, as preciosas orientações do design instrucional, nossas experiências com as funções que devem ser desempenhadas pelos professores e tutores online, a riqueza de instrumentos e estratégias de avaliação a distância desenvolvidos pela comunidade científica de EaD, e assim por diante. Ainda assim, a comunidade científica, associações e instituições representativas da EaD como a ABED — Associação Brasileira de Educação a Distância, a UAb — Universidade Aberta de Portugal e o ICDE — Internacional Council of Distance Education, dentre outras, têm liderado as ações de compartilhamento de orientações e boas práticas durante esse período turbulento.


Justamente por causa dessa tendência de, abrupta e rapidamente, cada um fazer as coisas do jeito que bem entende, tem ocorrido o que muitas vezes as pesquisas apontam com um erro: a reprodução do presencial no online. Escolas e instituições de ensino superior saíram correndo atrás não de ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), mas de plataformas para transmissão de... aulas! Sim, a aula presencial, que estava marcada para segunda-feira, às 7:30 da manhã, passou agora a ocorrer no Microsoft Teams ou Zoom, na segunda-feira, exatamente às 7:30 da manhã! Os professores reproduziram suas aulas expositivas, e os alunos passaram a assistir às mesmas aulas, não mais nas salas, mas agora em suas casas. As ferramentas e atividades assíncronas, como fóruns de discussão, glossários, wikis, tarefas etc. foram, nesses casos, ignoradas. Ignoradas porque quem vem do presencial não tem, automaticamente, a consciência de que a EaD não precisa ser sinônimo de aula expositiva síncrona, que os tempos (e não apenas os espaços) são outros.


Por fim, fomos com muita sede ao pote, e aí o problema não foram somente as instituições e os professores, mas também os alunos. Escolhemos as ferramentas, preparamos a transmissão, apertamos o botão e... descobrimos que nem todos os alunos têm acesso à internet com banda larga e/ou os dispositivos necessários para participar da EaD que subitamente criamos. Constatamos que nossos alunos não foram preparados para essa experiência, nem pedagogicamente, nem tecnologicamente. Mas os ensinamentos do design instrucional não nos orientam a começar justamente pela análise do contexto e dos aprendizes?


Enfim, escolas e instituições de ensino superior, gestores, coordenadores, professores e alunos foram forçados a fazer uma migração vapt-vupt, e os desacertos iniciais são, portanto, aceitáveis. Mas agora que já percebemos que o distanciamento social será longo, cabe a todos buscar apoio em profissionais experientes em EaD, seguir as orientações da comunidade científica, de associações e instituições como a ABED, a UAb e o ICDE, e explorar ambientes virtuais de aprendizagem (como Moodle, Blakckboard, Desire2Learn ou Canvas), lembrando-nos de formarmos, agora com mais calma e continuidade, nossos professores, mas também nossos alunos. Se utilizarmos o potencial da EaD sem simplesmente reproduzir o que fazemos nas salas de aula, o vírus poderá deixar um legado positivo para a educação, com a incorporação de características e lições importantes da educação a distância para a educação presencial e, assim, quem sabe, caminharmos ainda mais para uma educação verdadeiramente híbrida, que é para onde todas as bússolas já apontavam.


João Mattar

Diretor de Relações Internacionais da ABED — Associação Brasileira de Educação a Distância

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10 Comments


A partir do cenário pandêmico e diante do imprevisível retorno à vida normal, o processo de ensino e aprendizagem formal não poderia parar. Entretanto, o que aconteceu, na maioria dos casos, foi a mera transmissão do conteúdo expositivo de forma remota no lugar da utilização efetiva dos recursos da EaD, nesse período em que as aulas deixaram de ser presenciais. O fato é que não é possível mais conquistar o interesse do estudante com as cansativas aulas tradicionais. Na EaD não é diferente, pois o professor precisa se reinventar, constantemente. Um dos equívocos que presenciei na trajetória acadêmica do meu filho foi a ideia de que a avaliação remota não tem valor, pois o aluno certamente utiliza o recurso "cola…

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Rosa Vasconcelos
Rosa Vasconcelos
Dec 09, 2021

1) primeiro lugar, apesar de décadas de pesquisas publicadas sobre a teoria e a prática da educação a distância, além da existência de uma comunidade científica internacional madura e experiente na área, muitas vezes o que se tem observado é que cada um resolve fazer as coisas do jeito que quer.


2) descobrimos que nem todos os alunos têm acesso à internet com banda larga e/ou os dispositivos necessários para participar da EaD que subitamente criamos. Constatamos que nossos alunos não foram preparados para essa experiência, nem pedagogicamente, nem tecnologicamente.


3) Se utilizarmos o potencial da EaD sem simplesmente reproduzir o que fazemos nas salas de aula, o vírus poderá deixar um legado positivo para a educação, com a incorporação…


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Ohana Rabelo
Ohana Rabelo
Jun 09, 2020

O EaD tem sua história na educação brasileira mas o momento atual prova da importância da formação continuada dos profissionais da educação, o que é negligenciado por diversos níveis desde diretores(as), ao poder público, e os próprios professores. As medidas tomadas foram remediativas e sem conhecimento aprofundado para tentar dar continuidade ao ano letivo em diversos níveis, mas me preocupo especialmente com os alunos de instituições públicas que não tema acesso nem mesmo a essa colagem remontada da educação a distancia nas plataformas digitais.

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Jsiade
Jsiade
Apr 16, 2020

Logo, tudo o que temos e acreditamos será superado. Só aprendizado no interessa.


Meu olhar e contribuição como sociólogo sobre esse momento de distanciamento social é chamar atenção para importância de se observar e colher informações sobre as práticas exitosas e fracassadas em EaD durante esse período. Podemos aproveitar esse momento para analisar e compreender o contexto das ofertas em EaD e seus resultados, nos permitindo oferecer o conteúdo e o formato que interessa e funciona (ou tem mais êxito de funcionar) pedagogicamente.


Quanto mais variadas forem as formas, tanto melhor. Teremos uso limitado das ferramentas disponíveis? Sim. Mas, que bom. O confronto entre "o que" e "como" está sendo ofertado deve nos interessar a partir dos resultados obtidos com…


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Nuno Lopes
Nuno Lopes
Apr 15, 2020

Durante anos fomos ignorados, a EaD foi considerada por muitos outros colegas das áreas da Educação e Formação como uma área educativa de segunda. Agora surgem, na comunicação social, muitas pessoas a falar de “educação à distância”, apenas porque sabe qualquer coisa sobre informática ou tecnologias e nada sobre metodologias de Educação a Distância. Acho que a comunidade cientifica na área da EaD deveria surgir mais na Comunicação Social, para tentar transmitir melhor o que é isto da EaD e quais as suas diferenças comparativamente com o ensino presencial, nomeadamente do ensino baseado em metodologias expositivas. Importa referir ainda, a necessidade de divulgar melhor a pouca literatura cientifica relativamente à utilização das EaD nos primeiros anos letivos, já que todos…

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