A famosa frase "Agir local, pensar global", tão cara aos movimentos de sensibilização para a sustentabilidade ambiental, é muito útil no contexto que vivemos actualmente em que a modalidade "Educação a Distância" (EaD) é convocada a contribuir - e de que forma! - para minorar os efeitos nos sistemas educacionais da pandemia COVID-19.
No contexto das instituições de Ensino Superior (IES) portuguesas, que é o contexto que conheço melhor, está a ser feito um esforço hercúleo de reorganização dos processos académicos e pedagógicos e de "formação" acelerada dos docentes para a prática de EaD, procurando dotar os docentes do conjunto mínimo de competências indispensáveis à sobrevivência nesse novo mundo, que muitos desconheciam por completo. Como já muitos especialistas disseram, esta é a hora de agir localmente, procurando soluções ad hoc que permitam massificar a reorganização dos processos de ensino e de aprendizagem, nas suas várias componentes: partilha de informação, interação, avaliação. Mas é também a hora de proporcionarmos o melhor apoio possível aos estudantes, pois muitos não dispõem de acessos à Internet compatíveis com as exigências que muitas das soluções improvisadas pelas IES, com recurso intensivo a videoconferência, implicam. São também muitos os estudantes que não dispõem de acesso fácil e regular a computador estando, por isso, limitados na capacidade de participar adequadamente nas actividades académicas que lhe são propostas pelos docentes. Temos de agir agora e depressa, sem dúvida, e em muitas frentes em simultâneo.
Mas também temos de pensar global. Temos de pensar que o "dia seguinte" vai existir e que nos temos de ir preparando para esse dia. O quadro mental que regula as IES nunca mais será o mesmo. A importância estratégica do EaD nas IES vai ser - finalmente, embora não pelos melhores motivos - vista de uma forma muito diferente e as IES mais preparadas para aproveitarem as crises para se reinventarem irão, de forma célere, tirar partido da entrada em força da EaD pela porta dentro. Convém é que também percebam que a EaD que lhes entrou pela porta dentro foi uma EaD de emergência e não uma EaD estruturada em princípios sustentáveis e alinhados com o pensamento e melhores práticas actuais da comunidade científica internacional.
Aproximam-se - espero que muito rapidamente - tempos muito interessantes, plenos de desafios e oportunidades. E vai também chegar o tempo de verificarmos as reais capacidades de visão estratégica e de liderança dos nossos dirigentes, aos vários níveis, desde o governo do país até às nossas IES passando pela agência de acreditação A3ES. Esse será o tempo de revermos o nosso pensamento global sobre o papel da EaD no Ensino Superior em Portugal, aproveitando para também repensarmos o quadro legal que o regula, nomeadamente o definido pelo Decreto-Lei n.º 133/2019.
Nota 1: Os meus parabéns aos promotores desta iniciativa, todos não seremos demais para contribuirmos para uma reflexão séria sobre EaD.
Nota 2: Talvez esta iniciativa seja a semente da futura APED-Associação Portuguesa de Educação a Distância de que bem precisamos para ajudar a dar consistência e a assegurar a representação e a visibilidade da comunidade científica nacional desta área de conhecimento.
Caro Professor Ramos, com o meu maior reconhecimento, pelo que escreve. Como sabe, andamos nesta "batalha do EaD" há praticamente duas décadas, e foi preciso uma situação limite, para se ver a "importância estratégica do EaD nas IES", em Portugal. Com amizade e votos de saúde.
Excelente reflexão do Fernando que termina com um desafio muito pertinente. Num momento crucial como este, em que o campo das práticas de EaD cresceu exponencialmente em Portugal e por todo o mundo, e ninguém duvide que esta transformação continuará e consolidar-se-á mesmo após o contexto emergencial atual, importa projetar a reorganização do setor no futuro próximo. Nada ficará como até aqui, pelo menos isso é já certo, pelo que é necessário analisar novos cenários.
Como tal, há que rever profundamente o quadro em que nos temos organizado. No futuro próximo não seremos apenas uns poucos bravos, mas parte de uma grande comunidade de práticas e de investigação que se formará. Assim, que legado teórico subsistirá? Que padrões de qualidade…
Esta iniciativa está a trazer à ação coletiva Pessoas que muito dão a esta disciplina e que fizeram a História da educação/formação/aprendizagem a distância em Portugal. Fernando Ramos (sarava! meu amigo.Há quanto tempo!) foi, entre outras, pioneiro em orientar mestrados sobre a temática e lançar cursos e sessões online. Talvez possa aqui reviver uma ou outra história que, afinal não tem assim tanto tempo. Vinte anos? talvez... pode ser sim a gênese de uma associação portuguesa que chegou a ter uns estatutos escritos e prontos para discussão, pelos anos 2002/3 (?) em especial com iniciativa de empresas do setor e da APG e algumas organizações que nesse tempo se moviam naqueles "terrenos".